Que país é esse?


Engraçado como foi uma semana tão devastadora em informações que eu não gostaria de ter e poder continuar numa alienação da qual eu vivia bem, mas... cego.

Saber e entender


Começou quando fui contratado para trabalhar no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aqui na Rocinha. Pensei que seria interessante trabalhar lá por vários motivos, principalmente estar a frente em muitos projetos que estão sendo executados aqui mesmo na comunidade.

Se você está usando um crachá, como o meu, e passa por locais onde vivem pessoas precisando de ajuda, pode ter certeza que não hesitarão e usarão todas as forças para chamar sua atenção, até porque, ninguém quer saber o que você faz lá, qual o seu cargo. O que importa é que "alguém" passou pela porta de uma família desesperada que não recebeu atenção nenhuma do governo.

Estive numa região aqui na Rocinha chamado "Macega". Não foi a minha primeira vez, mas nesta segunda oportunidade eu fui para registrar problemas em moradias que foram afetadas numa chuva na última semana de dezembro. Esta região fica no "pé" do morro Dois Irmãos, que divide a Rocinha e Vidigal. E a única região da Rocinha que ainda existe barracos de madeira.

A cada depoimento que eu ouvia, a cada janela com criança acenando, a cada lixo que eu via no caminho, eu me desesperava porque eu não conseguia me imaginar morando ali. Aliás, eu não conseguia imaginar qualquer um morando ali. Como meu supervisor mesmo falou: "Parece um cenário pós-guerra". E de fato, parecia mesmo.

Seria fácil pensar em retirar toda aquela gente de lá e realocá-los para outro lugar, não é? Eles não querem sair de lá! Óbvio que não. Ninguém quer ir para um abrigo. Mas e se oferecerem uma casa? Eles vão vender e voltar para a região condenada. Eu até entendo, pois são gente que não tem uma estrutura de vida, além de não ter uma estrutura residencial, mas o que eu não entendo é arriscar a própria vida desta forma.

Por falar em arriscar a vida... na foto você verá uma pedra que rolou no momento da chuva que contornou (milagrosamente!!) um barraco e só parou numa árvore e (milagrosamente de novo!!) não caiu em outra casa logo abaixo.

Encaro como "os esquecidos da Rocinha", porque até para reivindicarem eles não conseguem.

Mas eu não esqueci deles.



Le Flâneur


Outro caso foi quando a minha casa faltava luz sempre a partir das 21hs. Talvez com a sobrecarga porque neste horário todo mundo chega do trabalho né? Noites de 26, 27ºC e ar condicionado ligado... acabou. Por 4 noites seguidas! Como eu não iria conseguir dormir mesmo, eu pegava meu livro (Startup - Jessica Livingston) e ia até São Conrado para ler em paz. O problema era chegar até lá.

Eu moro na parte alta da Rocinha. Até chegar em São Conrado eu ando um bom caminho. Praticamente atravesso toda a Rocinha.

O interessante é que eu passo por vários caminhos e por várias "tribos", desde nordestinos, funkeiros, (...), baladeiros de plantão, gente voltando do trabalho... a rotina do local que nunca para. E toda essa gente espantada comigo. Um olhar esquisito que eu percebia e todos na minha direção. Aquilo me incomodou muito porque isso nunca aconteceu comigo. Até eu perceber que o problema não era eu... era o livro!
Em uma dessas noites, eu estava com fome e parei num restaurante para jantar. Outra situação incômoda pois me atenderam, tá, me atenderam muito bem, mas... por que diferenciado dos outros?
Acho que eu estava muito incomodado para pensar a razão disso tudo. Mas... o livro me deixou num "nível" diferenciado dos demais. Passei em frente a uma fila de um baile funk e chamei a atenção de todos com aqueles olhares de reprovação.

O livro seria uma ameaça? Seria um "ser" estranho num lugar incompatível? Seria um objeto de desejo?

Estamos em 2010 e muita coisa está acontecendo. Jovens com prioridades diferentes, governo com prioridades diferentes, empresas com prioridades diferentes... que sociedade louca!
A impressão que tenho é de estar num mundo "carpe diem". Viver o hoje e somente isso. Que medo é esse? Que pressa é essa? Que país é esse?

2 Comments:

Talita said...

É a sociedade do egoísmo.

nome said...

Também já tive uma sensação parecida. Estava com um livro na mão e percebi que as pessoas me olhavam diferente, como se fosse um "gringo", alguém de fora da cultura deles.

Mas pensei se não foi eu o criador dessa visão, e acho que são eles os possuidores da visão "estranha". Não será que o conhecimento de que a população não tem o hábito da leitura, de pegar numa caneta, uma máquina fotográfica... nos dá um escudo? O ruim

Acredito que seja os dois lados: nós, que olhamos eles diferente; e eles, por nos ver diferentes. Cada vez mais todos nós estamos indo para os guetos.

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